     Júlia Marçal* A crença, amplamente difundida pelos media, que existe um elevado número de crianças disponÃveis para adopção capaz de ser reduzido caso a lei da co-adopção e da adopção por casais homossexuais seja aprovada em Portugal assenta numa falsa lógica, que necessita ser esclarecida.
Em primeiro lugar é importante esclarecer que nem todas as crianças institucionalizadas podem ser dadas para adopção, uma vez que existem requisitos muito especÃficos relativamente ao projecto de vida: adopção (1). Como referido no Código Civil Português apenas podem ser consideradas para adopção as crianças institucionalizadas que não disponham de laços afectivos com a famÃlia biológica. Compreendemos facilmente que retirar uma criança da famÃlia biológica e privá-la dos laços com os seus progenitores constitui um acto de grande importância na vida de uma criança. As crianças que possuem famÃlia biológica e que foram introduzidas em instituições de acolhimento, como forma de as retirar de situações de risco, beneficiam de apoio que visa não só a sua segurança pessoal e preparação para a vida adulta, como idealmente a sua futura reintrodução na famÃlia natural (desde que os riscos identificados inicialmente tenham sido reduzidos ou eliminados) e só subsidiariamente (na impossibilidade da primeira solução) a sua entrega para adopção.
Em segundo lugar é importante conhecer a realidade que caracteriza as instituições de acolhimento, no que concerne ao número de crianças institucionalizadas e número de pedidos para adopção. Assim, das 8938 crianças institucionalizadas no final de 2011, apenas 538 crianças encontravam-se disponÃveis para adopção. Em 2012 o número de crianças disponÃveis para adopção correspondia a 511 crianças (2) (do conjunto de 8557 crianças institucionalizadas no final do ano). Ao considerarmos o número de candidaturas para adopção existia, no final de 2011, um registo de 2150 candidaturas, das quais 475 diziam respeito a candidaturas singulares e 1675 correspondiam a candidaturas conjuntas. No final de 2012 esse número ascendia a 1899 candidaturas, das quais 391 diziam respeito a candidaturas singulares e 1508 correspondiam a candidaturas conjuntas. Tendo em conta, apenas, o número de candidaturas conjuntas (pai e mãe) e o número de crianças disponÃveis para adopção verificamos a existência de cerca de três candidaturas conjuntas por cada criança disponÃvel para adopção. Esta análise permite-nos, deste modo, observar que o número de pedidos para adopção é muito superior ao número de crianças disponÃveis para esse efeito, e casais heterossexuais interessados em adoptar crianças é o que não falta em Portugal.
Em terceiro lugar, contrariamente ao que se tem difundido pelos media a co-adopção, naquela que é a sua definição jurÃdica, não permite retirar uma única criança de instituições de acolhimento. Em termos conceptuais a co-adopção consiste em reconhecer direitos parentais ao companheiro(a) do pai/mãe biológico que se encontra vivo (pois estando vivos ambos os pais biológicos a co-adopção não é possÃvel, salvo raras excepções). Deste modo a co-adopção implica a existência de laços de afectividade com um dos pais biológicos, o que não acontece com a adopção, que pressupõe que apenas as crianças que não disponham de laços de afectividade com os membros da famÃlia biológica (pais e outros parentes) possam ser entregues para adopção.
Concluindo, a crença: âEm Portugal existe um número elevado de crianças para adopção, que podia ser reduzido caso a lei da co-adopção e da adopção de crianças por casais homossexuais fosse aprovadaâ assenta numa falsa lógica, bem como em dados distorcidos. Este argumento, muito utilizado pelos movimentos homossexuais, serve o propósito de comover os mais sensÃveis e desviar a atenção da opinião pública de dados importantes que caracterizam a realidade Portuguesa no que respeita ao processo de adopção.
(1) Requisitos da Adopção: http://www4.seg-social.pt/documents/10152/14984/adocao
(2) Dados gentilmente cedidos pelo Instituto da Segurança Social.
* Psicóloga Social e Organizacional, Mestre em Comportamento Organizacional e Consultora de Recursos Humanos. Ler artigo no contexto original
|